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Image by Rianne Zuur
Rádio Vivência Defiça

#2

episódio

Título: Rádio Vivência Defiça

Data de publicação: 27/12/2021

Cocriação: Ticiane Simões e Lays Barros

Cidade/UF: Maceió/AL

[bip] 

 

Ticiane: olá.

 

[elas falam ao mesmo tempo]

 

Lays: posso começar também?

 

Ticiane: bora! Boa tarde, pessoas! Vamos começar de novo o que eu falei.

 

Lays: licença? Posso falar? Você quer começar?

 

Ticiane: é, eu acho que eu pensei em apresentar primeiro podcast.

 

Lays: pronto. Ahã.

 

Ticiane: e aí depois, a gente se apresenta.

[bip]

[vinheta]

 

Olga Aureliano: no primeiro episódio do Retrato Defiças, nós trouxemos Tiago Abreu e Bruno Filmann, que moram em Porto Alegre/RS e produziram um conteúdo com tudo o que há de melhor: amor gay, autismos e papo cabeça. Hoje nós vamos falar sobre deficiência visual, em um encontro bem-humorado e bastante sincero, entre Ticiane Simões e Lays Barros. Uma, é cega há apenas 1 ano. A outra, nunca conviveu com uma pessoa defiça visual. Elas decidem caminhar juntas pelas ruas da cidade de Maceió/AL, registrando uma honesta relação do primeiro encontro com a deficiência no estilo rádio-vivência. Vamo simbora com elas?

 

[vinheta]

Ticiane: boa tarde, pessoas que estão aqui nos ouvindo. Esse é o podcast rádio vivência... Não, não é o podcast rádio vivência, é só episódio.

 

Lays:  é o primeiro episódio.

 

Ticiane: é. 

 

[bip]

 

[ao longo do episódio ao fundo, sons de ambiência da rua, som tocando ao fundo, ambulante falando alto]

 

Ticiane: oi Lays.

 

Lays: oi Tici, tudo bom? [risos]

 

Ticiane: estamos gravando já. [risadas]

 

Lays: até que enfim nos encontramos.

 

Ticiane: pois é, demorou e vai sair. É isso, é isso, bora fazer a experiência que eu tô tão ansiosa.

 

Lays: imagina eu! [risadas]

 

Ticiane: bora lá! Olá, galera, que nos ouve. Esse episódio que é intitulado Rádio Vivência Defiça é apresentado por mim, Ticiane Simões dos Santos, atriz, arte educadora, eu sou uma mulher negra de olhos pretos, cabelos pretos, afroindígena, tenho cabelos caracolados até os ombros, tenho 1 metro e 63 de altura; e ao meu lado aqui, nessa parceria, tem Lays Barros, se apresenta Lays.

 

Lays: oi pessoal, tudo bem? Eu sou Lays Barros, tenho 33 anos, sou branca, cabelos longos castanhos, olhos castanhos, 1 metro e 58. Eu sou uma massoterapeuta, eu convivo com a deficiência visual pouco mais de 1 ano, sou considerada monocular da visão direita, baixa visão; e cega total da visão esquerda.

 

Ticiane: e agora, eu convido vocês pra mergulhar um pouco no que foi a nossa vivência dentro desse episódio, que tem como proposta captar a vivência de uma pessoa não defiça, que sou eu, num primeiro encontro de guia. Eu queria, eu queria propor um trajeto assim pra gente. Como a gente tinha decidido daqui ir pra orla, que a gente fosse de trem.

 

Lays: nossa! [risadas] é legal.

 

Ticiane: já andou de trem?

 

Lays: assim não, já andei.

 

Ticiane: já andou antes.

 

Lays: antes, isso.

 

Ticiane: eu queria que a gente atravessasse aqui, o centro até a estação, né? A gente vai conversando e papiando juntas aqui sobre esse percurso e sobre as outras coisas que nos atravessam. Aí a gente vai de trem até a estação final que é ali no Jaraguá...

 

Lays: uhum

 

Ticiane: e do Jaraguá, a gente pega o Uber até algum lugar da orla que a gente queira gravar. Pode ser?

 

Lays: pode ser, pode ser até ali na Pajuçara, né? Ponta Verde.

 

Ticiane: isso, acho que por ali vai ser o melhor lugar.

 

Lays: hanram.

 

Ticiane: bora?

 

Lays: fechou! Você nunca teve contato não, né? Assim, pra...

 

Ticiane: nunca.

 

Lays: certinho, a gente pode começar com isso, né?

 

Ticiane: é.

 

Lays: então assim, é umas das dificuldades que é muitas pessoas tem é de como chegar, né? Na pessoa que convive com a deficiência, assim pra não ter assim muitos dedos, né? E tal, pra gente não deixar a pessoa desavontade, é tratar a pessoa normal. Só não puxar pelo braço tá ótimo, né? Tem pessoas que chegam, abordam a gente, puxando pelo braço, pegando do nada no ombro, sabe? Aí assusta um pouquinho isso, mas fora isso tranquilo, a condução é normal mesmo, como você anda com seu sobrinho, com sua esposa.

 

Ticiane: eu queria saber também é sobre esse, esse barulho, né? Porque aqui é um, assim... Da importância da audição, assim o como a audição é sensível com a necessidade de dela ser o seu guia, né?

 

Lays: sim, sim. Além da bengala, né? A gente, é, identifica através dos sons e aqui pelo que vocês estão captando, né? É bem barulhento mesmo, é barulho de alto-falante do som, das pessoas, aí isso atrapalha um pouco mesmo.

 

Ticiane: é. Bora lá, então? Conduzirmos juntas esse nosso podcast, essa nossa vivência.

 

[barulho de rua, som ao fundo, vento, pessoas falando bem baixinho, som da bengala arrastando no chão]

 

Ticiane: ô Lays, é... quanto, quanto de visão você tem?

 

Lays: então, eu sou monocular, cega total no olho esquerdo, e baixa-visão no olho direito. Eu tenho pouco mais de 5% no olho direito. E como o meu caso foi interno, né? Eles falam que não existe cirurgia pra isso, foi um tumor cerebral que atingiu os nervos ópticos (música ao fundo), ainda tá em fase de estudos, sabe? Com células tronco e tal. Se não me engano é Tailândia, o local que tá sendo estudado.

 

Ticiane: sei.

 

Lays: mas tô aqui pra ser cobaia também, se precisar. [risos]

 

Ticiane: isso tem quantos anos? Quanto tempo?

 

Lays: tem 1 anos e sete meses. Foi, foi assim, né? Tudo que a gente perde, já é doloroso, né? E a visão que é um sentido, assim 100%, né? Dos seres humanos, tudo é visual, né? Principalmente hoje em dia, essa questão das redes sociais, de tudo, né? Ao nosso redor. Foi doloroso, foi um processo contínuo, assim. Eu acordei do nada e tava sem já a minha visão esquerda, então foi assim um susto, né? Vamos dizer que um susto, mas tudo é questão de adaptação e ressignificar, né? Eu costumo falar assim, que o mundo está totalmente igual como era, só o que mudou foi que eu estou enxergando menos e isso me ajudou muito logo no começo, a perder o medo, sabe? De andar, a todo esse processo de mudança, porque o mundo é igual, só o que muda... [interrupção] você viu, né?!

 

Ticiane: é. [risos]

 

Lays: a gente passando aqui e...

 

Ticiane: não foi você que bateu nela não, né?

 

Lays: não.

 

Ticiane: foi ela que bateu em você!

 

Lays: foi. Quase chutou, né? A bengala.

 

Ticiane: exatamente.

 

[voz de homem comerciante ao fundo, fazendo locução; som de ambiência urbana de comércio]

 

Ticiane: não, a gente vai seguir, só que o chão muda aqui ó. É, tá falhado, tá de pedrinha.

 

[ambiência]

 

Ticiane: pronto, agora voltou.

 

[ambiência]

 

Lays: que isso que as pessoas...

 

Ticiane: reagindo? Que pessoas?

 

Lays: em volta, por mais que a gente esteja com a bengala, mas as pessoas estão sempre distraídas, né? Então, chuta a bengala ou esbarra. Acontecia muito no começo de esbarrar nos meus ombros, principalmente em supermercado, e nem tem um fluxo tão grande assim, né?

 

[ambiência urbana, homem grita ao fundo: ‘olha a água gelada’, ambiência continua]

 

Ticiane: é, assim. O que eu tenho observado as pessoas em volta... É a primeira vez também que eu paro para observar assim, como as pessoas reagem, olham, acho que também pelo fato deu tá gravando, né?  Tá chamando um tanto de atenção. As pessoas observam mesmo assim, o que é que a gente está fazendo, enfim. Olham, eu acho que a bengala é um lugar de chamada muito forte, mas até agora assim, não observei nada de pejorativo, acho que é mais um lugar de estranhamento talvez, sabe? Eu acho que se a gente tivesse mais pessoas, mais é corpos diferentes ocupando esse espaço, talvez fosse mais natural, né?

 

Lays: sim. É, eu costumo pensar o seguinte, é, não são as pessoas que têm a deficiência. É o local que põe deficiência, sabe? Porque se aquele local tá ali, superacessível pra atender um cadeirante, uma pessoa com deficiência visual, enfim, então é o problema não são as pessoas que convivem com deficiência, é o local realmente que tá lá esburacado, poste do meio do caminho. Aqui, por exemplo, eu não estou sentindo nenhum piso tátil. Não tem, né?

 

Ticiane: não, aqui não tem.

 

Lays: não tem. Então isso aí dificulta, né? Apesar de que muitos deles, piso tátil, vai dar no poste, vai dar numa parede, mas enfim, já ajudaria, né?

 

Ticiane: sei. Não, aqui não vejo. Nem desse lado que a gente tá indo, a gente tá indo do lado esquerdo do calçadão do comércio, mas do outro lado também não tem.

 

Lays: quando as pessoas veem a bengala, já...

 

Ticiane: é a bengala...

 

Lays: [...] já se afasta um pouco, né?

 

Ticiane: é. Que na verdade, elas vêm pra cima, né? Como se fosse atravessar a gente. Quando enxergam a bengala, elas meio que pulam, se assustam, tem umas reações diferentes, assim, dependendo do quanto distraído ou não a pessoa tava. [barulho de vento] ó, agora acabou de acontecer, o rapaz precisou levantar o pé celular, mas ele tava no celular.

 

Lays: ainda esbarrou no meu ombro.

 

Ticiane: ainda esbarrou, né?

 

Lays: foi. É daquele jeito distração, né? Parece que todo mundo anda sem prestar atenção, no celular.

 

Ticiane: aqui tem um semáforo, como é que você faz pra atravessar?

 

Lays: é aqui é só seguir o fluxo, porque geralmente tem pessoas ao lado, né? Como eu tenho a minha baixa visão, às vezes eu consigo, dependendo do horário, eu consigo perceber quando as pessoas estão atravessando.

 

Ticiane: entendo.

 

Lays: mas, o interessante, não sei se você já viu, aqueles semáforos que apita.

 

Ticiane: sim, sim.

 

Lays: muito importante aquele ali

 

Ticiane: fica piscando, né? Como se fosse um [imita o som] pi, pi, piii.

 

Lays: em frente ao shopping, o Maceió Shopping tem. Isso é interessante, porque causa a percepção de que o sinal fechou.

 

Ticiane: a calçada, vai ter agora. É, agora vem a parede. Isso. Agora a gente vai passar pelo camelódromo aqui do [...] Da Praça dos Palmares.

 

[ambiência]

 

Ticiane: brigada.

 

Homem: de nada. Tranquilo.

 

Ticiane: ele tava sentado no chão com as pernas assim no meio do caminho.

 

Lays: aí ele levantou, não foi?

 

Ticiane: levantou, deu um pulo [risadas].

 

Lays: tem gente muito educadinho mesmo, que encontra, encontra todo tipo de pessoas, né? Mas muito mais quem ajuda.

 

Ticiane: sim.

 

Lays: tem algumas... [frase inacabada]

 

Ticiane: ôoo, brigada.

 

Lays: [...] tem algumas pessoas que infantilizam também.

 

Ticiane: parece que você não tem nem autonomia de escolha, né?

 

Lays: hanram, e fica aquilo muito infantilizado, colocar comida pra você, sabe? Pela minha mãe, eu taria dentro da casa dela desse jeito. 

 

Ticiane: [risos]

 

Lays: mas aí, é só um processo de adaptação pra ela também, né?

 

Ticiane: sim. Tem uma ladeirinha aqui.

 

[ambiência urbana, comércio, música aleatória, som da bengala ao chão]

 

Ticiane: voltar à parede agora. Aí.

 

[ambiência]

 

Lays: acho que é a segunda vez que eu ando aqui no centro [interrompida]

 

Ticiane: a cadeira.

 

Lays: do nada uma cadeira.

 

Ticiane: é.

 

Lays: no meio da calçada.

 

Ticiane: como se já não bastasse os buracos da própria calçada.

 

Lays: a calçada toda esburacada. Pois é.

 

[ambiência]

 

Ticiane: quanto tempo você levou, Lays, pra se sentir confiante, assim...

 

Lays: de andar?

 

Ticiane: de andar, assim, da tua independência mesmo, assim?

 

Lays: é, eu ainda sinto receio, sabe? Acho que ficou um notório [risos], mas já foi muito mais. Eu comecei dentro do condomínio mesmo a pegar a bengala, andar sozinha, só que eu senti muito mais confiança com as aulas do Ciro Accioly, com o professor Delberto, de orientação e mobilidade.

 

Ticiane: olha, a gente vai descer agora, um degrau.

 

Lays: isso foi me dando mais confiança, até porque assim, é bem desafiador, sabe? Eles desafiam mesmo a gente sair com toda segurança. E fazer as atividades, né? Do curso da orientação e mobilidade. Só a partir daí que eu fui perdendo o receio.

 

[ambiência, sons da bengala ao chão]

 

Lays: é um desafio.

 

Ticiane: fechou. Você quer ir só ou mão no ombro? Nada.

 

[barulho de vento, ambiência]

 

Ticiane: a calçada. Tem um degrauzinho antes. Aí. Ela tá acidentada aí, mas vai subir um pouquinho. E já é a parede, aqui a esquerda. Pronto, o chão é bem de paralelepípedo... É, mas não têm grandes degraus ou [...]

 

Lays: nenhum obstáculo, né?

 

Ticiane: não, nenhum obstáculo. Só é irregular mesmo.

 

Lays: esses locais assim, é mais complicado, porque engancha a ponteira.

 

Ticiane: sim. Eu já vi algumas que tem tipo uma rodinha. Ela ajuda, é pra que, é uma escolha?

 

Lays: eu ainda não tive experiência, mas meu professor, ele ensinou a gente que aquelas rodinhas geralmente é pra locais pra não perceber o som da bengala. As rodinhas, ela desliza sem tanto som e são pra local de hospital, teatro.

 

Ticiane: entendi.

 

Lays: mas eu conheço pessoas que preferem rodinha.

 

[ambiência, som de bengala, homem chamando para lotação]

 

Ticiane: mais pra cá. Agora um degrau aqui.

 

[ambiência, som de bengala, homem chamando para lotação]

 

Lays: a gente já tá próximo à estação, né?

 

Ticiane: tá, bem pertinho, já. A gente já tá bem quase em cima da linha do trem, inclusive. Tá atravessando aquele último... [frase inacabada]

 

Lays: eu notei o som do trem, mas como a gente tava descendo a praça dos palmares, atravessou aquele sinal lá, eu percebi que era a estação.

 

[pessoas falando ao fundo]

 

Lays: que o som do trem, como a gente escuta de longe, né? Já dá pra perceber também.

 

Ticiane: sim.

 

Lays: de localizar. A gente já sabe aonde tá.

 

Ticiane: espero que ele não demore. Bora? [barulho da bengala; vento] a gente vai passar agora por cima da linha, do trilho. Passou o primeiro. O segundo. Agora vem pra cá, pra sua direita la, pra gente atravessar a principal agora. [som da bengala] só um minuto. Pode ir.

 

[som da bengala arrastando no chão, ambiência urbana, vento]

 

Ticiane: aqui já tem o chão marcado, aqui onde você tá em cima, tá vendo?

 

Lays: hanram

 

[ambiência]

 

Lays: o piso tátil?

 

Ticiane: é, aqui é a bolinha e esse aqui...

 

Lays: a bolinha é que demonstra que tem um obstáculo.

 

Ticiane: é? E aqui é o quadradinho. A bolinha tem o rapaz. A gente vai pegar aqui à direita agora pra entrar. [ambiência] pronto, e agora tem a sinalização no chão, ela te ajuda mesmo? Aqui mais pra cá, pra direita. Aí.

 

Lays: aqui, né?

 

Ticiane: é.

 

Lays: seguindo os trilhos, né? Isso aqui é bem importante, só que muitos, muitas pessoas que convivem com a deficiência, às vezes nem procura, sabia? Isso aqui. E às vezes acontece um acidente [....]

 

Ticiane: pra cá.

 

Lays: [...] aí a pessoa nem sentiu. Nem procurou saber se tinha.

 

Ticiane: a mangueira.

 

[barulho de vento]

 

Ticiane: mas você não acha que é também um lugar de aprendizado não formal, a pessoa cresceu e precisou se adaptar?

 

Lays: sim.

 

Ticiane: então ela acaba não se acostumando, isso acaba chagando depois.

 

Lays: hanram.

 

Ticiane: como uma coisa mais, né?

 

Lays: isso é a percepção que aquilo vai, de certa forma, vai lhe auxiliar, né? Até então não tinha mesmo, como eu tô aprendendo tudo de novo, né?

 

Ticiane: a gente já ta dentro da estação, vou procurar saber o horário do próximo, aí a gente dá uma sentada e conversa um pouco mais, acho que agora sem toda essa tensão [risos as duas]. Pra cá Lays, tem uma coisa aqui.

 

[ambiência]

 

Ticiane: olá, como é que eu sei qual o próximo trem para o Jaraguá?

 

Homem 2: pro Jaraguá? 4:45.

 

Ticiane: que hora que é agora?

 

Homem 2: eita não, desculpa, 4:30, 3:45 é agora.

 

Ticiane: 3:45, 4:30. Ele volta de lá que horas?

 

Homem 2: pra Jaraguá, né isso?

 

Ticiane: é.

 

Homem 2: que hora ele vai chegar lá?

 

Ticiane: que hora ele volta?

 

Homem 2: que hora ele volta? [pessoas conversando] 5:15.

 

Ticiane: 5:15. Não eu só vou e volto, só queria saber [mulher falando] ele sai de lá 5:15, né?

 

Homem 2: correto.

 

Ticiane: ah obrigada! Bom, Lays pelo o que a gente pode ver agora, né? Com o horário do trem, é que eu acho que é mais interessante a gente chamar o Uber daqui para a orla, de lá a gente faz essa parte de vivência por lá, depois a gente chama um novo Uber, pega de lá de onde a gente tiver e nos deixa na estação. E ao invés da gente fazer esse percurso indo, a gente faz esse percurso de trem voltando, que que você acha?

 

Lays: sim.

 

Ticiane: massa, então, eu vou chamar o Uber, enquanto a gente espera, a gente aqui, bate um papinho ainda aproveitando um pouco do espaço silencioso, mais calmo, menos tenso. De transporte público, você já andou de ônibus?

 

Lays: foi normal, fiquei um pouco assustada na primeira vez, tava acompanha também, a gente fica da parte da frente e geralmente a gente pede pra o motorista avisar quando tiver próximo de descer, falando pra descer e ele sempre avisa pra poder sair. Nunca aconteceu nenhum fato assim de reclamarem, por estar sempre com a bengala, né? E sentar naquelas cadeiras de... Como é que chama? Que sentam...

 

Ticiane: preferencial.

 

Lays: isso, preferencial, nunca aconteceu nenhum fato assim das pessoas ignorarem e tal, acho que por conta da bengala também.

 

Ticiane: você não tem, assim, uma demarcação de pessoa cega, né? O olho esbranquiçado... Enfim, isso dificulta que as pessoas te enxerguem como uma pessoa cega?

 

Lays: sim, sim, com certeza, já é assim é complicado, né? Pras pessoas, mesmo com os olhos esbranquiçados, tem gente que não olha nos seus olhos.

 

Ticiane: ô Lays, como é que você faz pra escolher uma roupa, assim, que você queira comprar ou pra escolher uma coisa no centro, além desse barulho caótico, como é que cê faz assim pra comprar alguma coisa, pra ser consumidora desse espaço?

 
Lays: pois é, complicado, né? Como a gente viu, mas aí assim, né? Eu uso ainda muito o meu resíduo visual, apesar de pouco, pouco mais de 5%, mas eu desenvolvi mais assim, a textura da roupa, sabe? Conheço o caneladinho, né? Aquele tecido que eu gosto, e agora as cores são mais complicadas pra mim, eu só identifico mais cores quentes, tipo vermelho, preto, o branco também; mas ainda usando o meu resíduo visual e o tato mesmo, né? Pra escolher, na escolha das roupas.

 

Ticiane: aí, o normalmente os vendedores te auxiliam? Como é que você faz? Além de estar acompanhada, né? Que você falou que sempre sai acompanhada.

 

Lays: hanram, principalmente pra comprar roupa, mas os vendedores sim, eles sempre me auxiliaram. Teve um fato que aconteceu também, de uma vez que eu saí sozinha, fui pra o shopping e eu cheguei, tava escolhendo um calçado pra o meu sobrinho, um tênis, aí depois de tudo, que a vendedora me auxiliou a escolher e tal, ela: “- Lays, faz favor, senta aqui um pouquinho.”. Aí, eu “tá certo”, será que ela vai querer vender alguma coisa? [risos] aí eu sentei lá naqueles banquinhos que tem, acho que foi até na abbys, aí ela: “- deixa eu trocar o seu calçado que ele tá trocado.” [risos]

 

Ticiane: você calçou o pé trocado?

 

Lays: o pé trocado! Ahan. Aí eu, “eita meu deus, que mico!”. Aí ela: “- não, já aconteceu comigo, enxergando, imagina!” [risos]

 

Ticiane: que legal.

 

Lays: mas acontece, né? Ninguém tá livre mesmo. A correria.

 

Ticiane: o carro já ta parado ali, nos esperando.

 

Lays: do outro lado?

 

Ticiane: não, tá do lado de cá mesmo. Mais aqui pra direita, Lays. Pronto, aí vai descer, já tá na pista. Isso aqui, minha direita.

 

[barulho de rua, vento, som entrando no carro]

 

Lays: boa tarde!

 

Homem 3: boa tarde!

 

Ticiane: olá boa tarde. [voz do gps] qual o teu nome?  

 

Homem 3: Aislan.


Ticiane: Aislan. Quantos anos, Aislan?

 

Homem 3: tenho 22.

 

Ticiane: 22. Aislan, você já transportou pessoa com deficiência no teu carro?

 

Homem 3: primeira vez.

 

Ticiane: primeira vez?

 

Homem3: porque assim, não tenho muito tempo rodando, tem uns nove meses só.

 

Ticiane: ah. A gente tá gravando um podcast sobre... Um episódio de podcast sobre acessibilidade, a cidade, e pessoa com deficiência e alguns temas que nos atravessam nesse lugar. A gente está gravando nesse momento, eu posso usar a tua voz no podcast?

 

Homem 3: se ficou bom, sim. [risos]

 

[barulho de vento muito forte]

 

Lays: ficou nervoso? Nem pareceu. [risos]

 

Lays: tão natural, quanto a luz do dia.

 

Ticiane: não é? Foi tranquilo, foi um papo ótimo, muito bom, obrigada. Obrigada pra você também, bom trabalho.

 

Homem 3: se puder avaliar?

 

Ticiane: avalio sim!

 

Lays: nada de sinal, né? Pelo que a gente já andou.

 

Ticiane: não. [risos] e eu tô olhando aqui, acho que também não tem não pra lá.

 

Lays: tem não? Vamos arriscar? Quer arriscar?

 

Ticiane: tem uma aqui, tem uma passagem de pedestre aqui, mas ela não é... Ela é faixa, mas só tem aquele sinal que fica piscando tempo inteiro, sabe?

 

Lays: eu sei. Vamos testar, a gente até aproveita pra ver a educação dos maceioenses.

 

Ticiane: igual no centro, né? [risos] mesmo com o sinal aberto.

 

Lays: vamos ver.

 

Tici: olha, já pararam aqui. Já parou.

 

[ambiência, som de freio de carro, som de bengala arrastando no chão]

 

Ticiane: super fácil, foi só botar a bengala. [risos]

 

Lays: foi! Achei tranquilo. Achei que... Tem tanto lugar que demora mais.

 

Ticiane: aí, chegamos. Tem uma árvore aqui, mais pro lado de lá [barulho de moto passando]. Aí. Foi.

 

[ambiência, vento]

 

Ticiane: quer ir pro meu lado direito pra ganhar referência da parede?

 

[ambiência, vento]

 

Ticiane: agora foi. Acho que agora, eu tô menos tensa. [risos] eu tava mais tensa, acho que no centro, eu tava mais tensa. Era muita coisa no meio do caminho, muita gente o tempo inteiro atravessando e, enfim, muito [frase interrompida]. Boa tarde!

 

Lays: boa tarde.

 

Mulher 1: [incompreendido]

 

Ticiane e Lays: obrigada.

 

Lays: você pensa por mim, né? Pra andar ali e eu também [frase inaudível].

 

Ticiane: é.

 

[ambiência]

 

Ticiane: pararam pra gente, bora. Obrigada! [ambiência] olha o poste em cima. Aí, pode subir aí. Isso.

 

Ticiane: como que é a Lays mãe? Que eu descobri esses dias! [risos]

 

Lays: [risos] foi mesmo?

 

Ticiane: foi, eu fui te procurar no Instagram, que eu não tinha olhado ainda, aí comecei a futucar e vi você com ele.

 

Lays: tem 13 anos, Gabriel.

 

Ticiane: Gabriel.

 

Lays: e sou mãe da Liz também, minha cachorrinha.

 

Ticiane: e aí, como que é o que essa rotina?

 

Lays: assim, ele convive mais com a minha mãe, porque como a minha mãe mora no interior e mora só, ele é a companhia dela, sabe? Aí, mas a gente sempre está junto no final de semana, quando tem eventos na escola também. Eu procuro ser bem presente na vida dele, sabe? E é isso, é o meu fofurinho.

 

Ticiane: como que foi assim esse momento...

 

Lays: de mudança, né?

 

Ticiane: [...] de mudança, de adaptação, enfim. Mesmo ele morando longe, deve ter sentido, né, aí esse lugar do...

 

Lays: sim, sim. Só pra começar assim, no meio momento da minha cirurgia contaram pra ele, né? Que eu ia tá passando por uma cirurgia, eram nove horas de cirurgia, então assim, acharam melhor, né? Deixar bem claro, né? O que ia acontecer e tal. Ele foi pra o Youtube pra pesquisar como se fazia uma cirurgia no cérebro.

 

Ticiane: nossa! [risos]

 

Lays: ele é desse tipo, sabe? Ele é super curioso, fala que quer ser cirurgião, aí pra ele aquilo ali [...]

 

Ticiane: olha, ganhamos acessibilidade.

 

Lays: sim. Coisa boa aqui, piso tátil. Depois de andar quantos metros?

 

Ticiane: andamos muito para poder encontrar, e é um pedacinho de uma calçada, só na porta do hotel mesmo.

 

Lays: humrum.

 

Ticiane: já vamos voltar ao mundo real.

 

Lays: aqui acabou já.

 

Ticiane: é.

 

[ambiência]

 

Lays: e, a questão da adaptação, não sei, [vento alto] não só pelo fato dele ser um pré-adolescente, mas assim, eu vejo ele muito com a mente aberta, sabe?  Me auxilia muito com aplicativos, que ele é bem hackerzinho assim, sabe? Gosta de mexer na tecnologia, ele tá sempre me auxiliando com a acessibilidade, em relação a aplicativos, me ajudando nessa adaptação.

 

Ticiane: que massa Lays, e como que ficou... Mais pra cá um pouquinho, aí, tem umas plantas aqui que podem machucar. Como é que ficou o teu Lays profissional? O que você trabalhava antes? Como que foi essa adaptação?

 

Lays: então, antes eu trabalhava no comércio, era promotora de vendas, quando aconteceu, né? Da perda visual, é... Como foi um processo longo de adaptação e perda visual e cirurgia, eu precisei me afastar do meu trabalho, e não voltei mais, né? Até então, tô de benefício. Foi aí que no início do ano, é... Eu comecei a fazer um curso da massoterapia, eu sempre tive vontade na verdade. Eu pegava nas pessoas assim, sabe? Já...

 

Ticiane: gostando de apalpar.

 

Lays: [...] é, massageando, a mão, o ombro... Eu digo, “- ah, porque não né? Vamo lá!”. E foi onde eu me reencontrei com a massoterapia [vento forte] sempre falo isso que é...

 

Ticiane: pera aí, só um minuto. Agora aqui tem água embaixo.

 

Lays: eita.

 

Ticiane: também fui.

 

[risos]

 

Lays: nossa [risos]. Tu foi na hora que eu fui.

 

Ticiane: também! Molhei o pé, mas eu tô de Havaiana também.

 

[ambiência, som de bengala tateando o chão]

 

Lays: faz parte.

 

Ticiane: é. Subiu. Pra cá, pra esquerda. Tem um rapaz aqui sentado, olá.

 

Lays: boa tarde!

 

[barulho de vento]

 

Lays: então, a massoterapia, é... Me auxiliou muito. Foi no começo, né? Eu precisava sair, me mobilizar até o curso pra fazer, né?

 

Ticiane: foi um estímulo também, né?

 

Lays: sim, com certeza. Pra sair de casa, né? Porque, devido à perda visual, a gente se retém muito, fica muito no nosso mundinho, trancado em casa e aquilo ali me estimulou a sair, a buscar coisas novas, uma nova profissão e realmente eu me reencontrei. Maravilhoso, você trabalhar com o que você ama.

 

Ticiane: e hoje você já tá trabalhando com isso?

 

Lays: já.

 

Ticiane: tem um rapaz aqui no chão, mais um pouquinho. Pra cá a esquerda, tem agora umas mesas aqui. Mais um pouquinho. Aí, agora pode virar pra frente, isso, agora.

 

Lays: é um bar, não?

 

Ticiane: é um bar que tá usando as mesas dele na calçada.

 

Lays: na calçada.

 

[ambiência urbana]

 

Lays: acho que as maiores dificuldades aqui na orla são essas coisas assim, de bar, pegar e usar.

 

[ambiência urbana]

 

Lays: mas em relação às calçadas, não se compara, né? Principalmente aquela parte lá do... [frase inacabada]

 

Ticiane: é. Pra cá. Isso. [som da bengala; vento] mas o chão é bem tranquilo aqui também. [cachorro latindo] vai ter uma graminha agora.

 

Lays: como você tava falando, né? Até a calçada mais precária não se compara, né?

 

Ticiane: é. Pronto aqui tá tudo... ‘cê’ tinha comentado mais cedo do horário que você prefere sai de casa, esse horário que o sol ta mais forte, você consegue ter uma definição melhor, né?

 

Lays: humrum, sim. Esse horário, a partir das 4:40, depois das 4:40, cinco da tarde, já complica mais, porque tem o pôr do sol, né? E aí, já fica muito menos iluminado. Só que assim, contraste mesmo, é que eu consigo identificar.

 

Ticiane: sim [...] Dá uma sentadinha aqui no banquinho, aqui, pode sentar. [suspira] acho que o resumo daqui da orla foi um pé molhado [risos]. Os carros que param, é ao primeiro sinal de vontade de atravessar ou de enfim, isso foi bem marcante e aqui houve uma coisa que no centro, é me... Tinha me chamado atenção que era esse lugar do todo mundo olhando.

 

Lays: aqui é mais?

 

Ticiane: não... Aqui ninguém olhou.

 

Lays: que coisa.

 

Ticiane: foi. Aqui só na parte da, quando a gente estava realmente, assim, para atravessar ou quando parecia que você tava indo em direção a algum lugar que ia bater, aí chamava atenção, mas era um lugar de atenção também assim nesse lugar do querer avisar, sabe?

 

Lays: sei, do ajudar mesmo, né?

 

Ticiane: isso. A gente passou por, pelas portas assim de alguns restaurantes e tem sempre vendedores, né? Assim, atendentes nas portas, eles ficavam meio tensos, assim como você estava chegando perto, mas completamente diferente do lugar exótico que aparentava ser no centro, sabe?

 

Lays: humrum, interessante.

 

Ticiane: é como se fosse mais estranho ter você no centro, do que fosse estranho ter você na orla, sabe?

 

Lays: porque às vezes é, “- meu deus, né? A pessoa nessa bagunça?”.

 

Ticiane: é... é como se [...]

 

Lays: nesse fuzuê.

 

Ticiane: [...] eu acho que também é uma questão de, talvez de...

 

Lays: cultural?

 

Ticiane: [...] de hábito também, talvez aqui as pessoas cegas consigam andar mais, do que no centro.

 

Lays: andam mais. É, humrum.

 

[ambiência, som de carro, abrindo e fechando a porta]

 

Ticiane: boa tarde.

 

Homem 4: é aqui pertinho?

 

Ticiane: é aqui na estação de trem.

 

[som da notificação do celular do Uber, barulho do carro, marcha, vento)

 

Homem 4: [incompreendido]

 

Ticiane: assim que é bom. Qual é o nome do senhor?

 

Homem 4: Guilherme, José Guilherme.

 

Ticiane: José Guilherme, tem quantos anos José Guilherme?

 

Homem 4:  21.

 

Ticiane: 21, quanto tempo de Uber?

 

Homem 4: tem uns 9 meses, exatamente [incompreendido].

 

Ticiane: já pegou pessoa com deficiência?

 

Homem 4: já. Teve uma vez que eu peguei uma mulher, rapaz, a deficientizinha visual, aí a bichinha pegou e foi entrar ao contrário do banco de trás. Oxe, mas foi uma confusão!

 

[toque de sino como sinal de alerta da edição, fora da ambiência] 

 

Lays: opa, peraí José Guilherme, bichinha, não. Nós não somos bichinhas, essa é uma forma pejorativa de nos classificar, tá?

 

[retorno da ambiência]

 

Ticiane: oxe, foi? [risos]

 

Homem 4: invés dela entrar assim com o pé do lado certo, ela queria entrar de costas.

 

Ticiane: ah sei.

 

Homem 4: e eu desci e, não moça, não é assim não e ela disse, “- mas é assim!”

 

[risadas]

 

Homem 4: aí ela disse, “- não, mas eu tô certa, você que quer me botar errado”; aí eu digo, “não moça” [risadas ao mesmo tempo] aí ela disse: “- não moço, tô ficando nervosa”. Aí eu digo, “não adianta ficar nervosa não, tá errado.”. Aí ela pegou com muita calma, segurou, entendeu a porta, pronto, aí ela entrou. Quando ela entrou, ela ficou rindo dela mesma.

 

Lays: ela não tava entendendo.

 

Homem 4: pra ela o carro tava ao contrário. Eu digo, “- moça, o carro tá com a frente pro lado de lá”; e ela disse, “- de lado de onde? Que eu não sei o lado de lá?”.

 

Ticiane: [risos] esse é o caso que você lembra assim mais engraçado?

 

Homem 4: esse foi o último, foi uma resenha. Eu peguei ela num negócio que chama, de visão.

 

Ticiane: ali no Farol?

 

Homem 4: lá no Instituto de Olhos Santa Luzia, aquele na Gruta. Depois ela ficou rindo dela mesmo. É aqui, né isso?

 

Ticiane: é, mas eu acho que é lá na outra entrada.

 

Homem 4: pronto. É aqui mesmo, que tem a catraca.

 

Ticiane: isso, aqui.

 

Homem 4: vocês são daqui mesmo, de Maceió?

 

Ticiane: sim, somos sim.

 

Homem: vão andar de trem é?

 

Ticiane: é.

 

Homem 4: passear um pouquinho.

 

Ticiane: é. Obrigado.

 

Homem 4: obrigado vocês.

 

[ambiência urbana, vento, fecha a porta do carro, som de bengala]

 

Ticiane: degraus aqui pra subir e o trem já ta aí.

 

Lays: sério?

 

Ticiane: eita, a pontinha.

 

Lays: eita, a ponteira.

 

Ticiane: aí, agora foi. Você prefere a rampa ou a escada?

 

Lays: a rampa.

 

Ticiane: [risos] pra cá.

 

[ambientação]

 

Ticiane: aqui, chegou. Agora pra direita, subindo.

 

[ambientação, som da bengala arrastando no chão, vento]

 

Ticiane: o trem tá vazio, vazio.

 

Lays: tá mesmo?

 

Ticiane: é... Acho que vai ter só o...

 

Lays: o maquinista? Não?

 

[risos das duas e falas ao mesmo tempo]

 

Lays: ai meu deus, é uma das pérolas.

 

Ticiane: deixa eu pegar aqui. Olá, boa tarde! Me vê dois, tu tem?

 

[ambiência urbana de estação]

 

Ticiane: como é que bota? É aqui em cima, é? Aqui?

 

[ambiência]

 

Ticiane: é aqui em cima é? Aqui? Eu botei o meu, deixa eu passar agora pra cá, aí eu mostro pra tu agora. 

 

Lays: aham

 

Ticiane: aqui Lays, vem cá. Aqui em cima tem um, aqui, aí bota dentro, outro lado de ladinho aê [risos] foi.

 

Ticiane e Lays: obrigada

 

Ticiane: aqui é sinalizado no chão. Do lado de cá, do lado de cá. É, aqui, agora para cá, reto. Aqui, isso, encaixou. Essa daqui vai até o final [ambiência] aí ela vai, aqui é uma porta do trem já, do VLT. Vamos entrar e esperar dentro.

 

Lays: aham

 

Ticiane: tem um buraco aqui, isso, daí pra cá, e foi. Nossa, só tem a gente [risos] não lá no fundo, no fundo tem mais alguém.

 

Lays: bora lá.

 

Ticiane: bora? Bora lá até o fundo?

 

[ambiência de trem]

 

Lays: essas cadeiras são azuis, né?

 

Ticiane: oi?

 

Lays: azuis, essas cadeiras?

 

Ticiane: são, e tem algumas verdes que são as preferenciais. Bora sentar?

 

Lays: bora.

 

Ticiane: senta aqui perto da... Tem uma senhora aqui, aqui pro lado de cá.

 

Ticiane: olá, boa tarde. Qual o nome da senhora?

 

Mulher 1: boa tarde, Isabel.

 

Ticiane: Isabel [som alto da ambiência] parece que todo mundo que sobe vem pra cá pro fundão, é?

 

Mulher 1: é porque quando ele para lá no terminal, quando ele larga, fica mais perto.

 

Ticiane e Lays: ah, entendi. É, já conhece onde descer.

 

Ticiane: ele vai até onde?

 

Mulher 1: esse vai até o Bom Parto. O terminal dele agora é lá no Bom Parto.

 

Ticiane: aé? Ele não tá atravessando não, o Bebedouro?

 

Mulher 1: tá mais não. Só vai até o Bom Parto, mesmo.

 

Ticiane: por causa do negócio do Pinheiro, né?

 

[toque de sino, sugerindo alerta da edição; fim da ambiência] 

 

Ticiane: opa, Ticiane, pera lá, caso do Pinheiro, não. Caso da criminosa extração de salgema da Braskem que está afundando 5 bairros na cidade de Maceió.

 

[retorno da ambiência do trem em movimento, buzinas do trem]

 

Ticiane: tá chegando. Bora? Mais lá pra frente, é. Mais lá pro começo.

 

[ambiência de trem em movimento]

 

Ticiane: pra esquerda, Lays.

 

Lays: oi?

 

Ticiane: pra esquerda. Pra cá. Eu queria entender assim, como é que é esse espaço de mobilidade com pessoas com deficiências, como é que vocês lidam? Se existe algo pensado, a gente viu que aqui tem acessibilidade horizontal, né? No piso, mas, por exemplo dentro do trem não tem um aviso de que estação que você está chegando ou algo parecido, né? Que pudesse facilitar pra pessoa cega?

 

Homem 6: é, os VLTs, eles antes tinham os avisos, né? Em cada estação, em cada parada, mas com o tempo foram acontecendo problemas físicos dentro do VLT, e aí foi se perdendo né? Essa questão dos avisos sonoros. Nas estações aqui, pelo menos na central, a gente vê que ainda tem assim o...

 

Lays: o piso tátil?

 

Homem 6: é, o piso tátil, mas acredito que não seja perfeito, né? Não está dentro da ordem não deveria estar, porque, por exemplo, aqui ó, você já não tem mais.

 

Lays: acaba, né?

 

Homem 6: é, ele termina onde não deveria, né? Ou seja, o projeto não foi bem executado, então a gente ainda tem muitas limitações, né? E quando a gente percebe que tem alguma pessoa assim, que esteja passando por problemas é para poder entender a lógica, né? Ou tem alguma deficiência assim visual, a gente tentar ajudar, né?

 

[toques de sino, sugerindo alerta da edição; fim da ambiência] 

 

Lays: opa, ajuda é sempre bom e nós precisamos, mas autonomia é essencial.

 

[retorno da ambiência]

 

Ticiane: enfim, deixa eu ver aqui, tem alguma coisa que você gostaria de completar? Alguma parte da tua história? Alguma situação? Sabe assim? Alguma coisa sua que você quisesse que tivesse neste podcast?

 

Lays: rapaz, tem muita coisa, mas é mais resenha, sabe? Tipo aquele do calçado, sabe? Eu já cheguei a pegar nos seios da minha avó [risos das duas]. Eu fui abraçar ela, peguei aqui num braço e o outro, sabe? [risos] aí,  peguei nos seios [risos] e fiquei balançando e morta, quando eu percebi. Só umas resenhas assim.

 

Ticiane: e caso de farra?

 

Lays: então assim, a primeira farra que eu saí mesmo depois da perda visual foi um show, numa casa de show que tem aqui, é... Janeiro desse ano  da Mara Pavanelly. Aí estávamos lá na mesa, né? Que não pode levantar por conta da pandemia e tal, e eu muito bem fiquei na mesa lá sentada, quando tava próximo de terminar o show, aí as meninas falaram: “- Lays por que tu olha tanto pra ali?”. Aí eu, “porque? É o palco, não é o palco?”. Aí, “- não! O palco é do outro lado, você tá olhando para o banheiro!” [risos das duas].

 

Ticiane: tava pedindo bis pro banheiro! [risos da duas]

 

Lays: né? Eu digo, “- sério?! Minha gente, por que vocês não me falaram?”  Eu passei a noite toda olhando, achando que eu tava olhando pra Mara Pavanelly [risos das duas] mas não tem importância, me diverti do mesmo jeito, foi muito bom. Foi inesquecível.

 

Ticiane: ai que bom.

 

Lays: o principal, assim, é só a fala mesmo das pessoas se colocarem mais no lugar do outro. Pensar que, né? O mundo lá fora que a gente precisa estar nele, precisa ter acessibilidade para todos, precisa ser acolhedor, né? Que como eu falei, que o lugar realmente aqui está deficiente, né? Que tem a deficiência de receber uma pessoa cadeirante, tipo aquelas calçadas que a gente andou ali, se pra mim já foi com dificuldade, imagina pra um cadeirante? Impossível, andar ali. Então é isso, é consciência, empatia, né, principalmente.

 

Ticiane: queria saber, assim, se pra finalizar você queria aproveitar esse espaço agora pra agradecer, se quer mandar um beijo pra Gabriel... [risos] ou algo parecido, enfim, só pra gente poder finalizar assim, com chave de ouro essa nossa vivência.

 

Lays: eu quero só aproveitar a oportunidade desse podcast, desse episódio, a agradecer à todas as pessoas que desde o início desse meu processo estiveram comigo. Primeiro lugar honra a deus, meu pai, minha mãe, são meus genitores que possibilitaram eu estar aqui hoje. Minha irmã, meu filho, meu sobrinho Iago, Joyce, minha companheira. É gratidão, por toda paciência e por tudo. Quero agradecer também a minha companheira de vivência, Ticiane, gratidão, gratidão. Você foi top, foi 10 muito obrigado também. E a todos que fazem parte do Retratos.

 

Ticiane: eu que agradeço Lays, agradeço a entrega, agradeço a vontade, enfim, foram muitas e muitas coisa que fizeram com que a gente estivesse juntas, então saio, saio dessa experiência uma pessoa muito mais atenta. Teve uma palavra que você falou sobre o lugar da empatia, eu saí uma pessoa mais empática dessa nossa experiência, dessa nossa tarde, desse nosso convívio. Também queria agradecer muito a possibilidade de ter vivenciado isso, ao projeto retratos, acho que é um projeto incrível e necessário.

 

[bip]

 

Ticiane: olá galerinha que nos ouve boa tarde. É não, não eu acho que eu não vou dizer nem boa tarde, nem boa noite, nem bom dia, porque as pessoas podem ouvir a hora que quer, né?

 

[bip]

 

Ticiane: acho que é isso.

 

Lays: é.

 

Ticiane: abertura, né? Convido você pra mergulhar na nãnãnãnãnã. Deixa eu ver se falaria mais alguma coisa... Não, acho que tá bom.

 

Lays: sim, foi ótimo.

 

Ticiane: pronto, aí eu edito essa parte. Foi. Rolou. 

 

[bip]

 

[vinheta]

 

Olga Aureliano: este canal é realizado pela ONG Ateliê Ambrosina de Maceió-Alagoas, e financiado pela Universidade Western do Canadá, comigo Olga Aureliano na mediação e na produção local, ao lado de Vanessa Malta e Bruna Teixeira, minhas parceiras de equipe. As antropólogas Nádia Meinerz e Pamela Block são pesquisadoras do projeto, e o roteiro, gravação e edição é de Ticiane Simões e Lays Barros, cocriadoras deste episódio; a finalização e vinheta é de Rodrigo Policarpo, e a transcrição é minha, com revisão de Bruna Teixeira e tradução para o inglês de Deise Mônica. Até a próxima segunda!

 

[vinheta]

Card cinza claro, quadrado, do podcast Retratos do Brasil com Deficiência. No centro de um triângulo em diferentes tons de lilás, a cabeça branca da medusa, de perfil esquerdo. O triângulo tem pontas arredondadas e está na horizontal, voltado para a direita. A medusa é uma figura feminina, da mitologia grega, com serpentes no lugar do cabelo. O rosto dela é branco e as serpentes são vazadas, com contorno branco, fino e parecem se mover em todas as direções. Na parte inferior, o nome do podcast. A frase Com deficiência está em negrito e Podcast, em negrito, maiúsculo.
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