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Image by Rianne Zuur
Defiça das oiça

#6

episódio

Título: Defiça das oiça

Data de publicação: 24/1/2022

Cocriação: Dêza e Odara Rufino

Cidades/UF: Maceió/AL e Boa Vista/RR

 

[vinheta]

 

 

Olga Aureliano: Em um episódio super envolvente, a cantora e compositora Deza, junto com a poeta Odara Rufino, compartilham sua experiência com a deficiência auditiva: das aproximações e distanciamentos entre a surdez congênita e adquirida, suas relações atuais de interdependência, além de muitos outros temas que exigem a mudança de atitude e a empatia da sociedade. Este é o DEFIÇA DAS OIÇAS, o nosso sexto episódio.

 

 

[vinheta]

 

[trilha]

                             

Deza: tenho uma perda auditiva, por favor pode falar mais alto?  

 

Odara: o que? Oi? Eu não te escuto muito bem.

 

Deza: não entendi o que você falou. 

 

Deza e Odara: Defiças das Oiça!

 

Odara: deficiência não limita a gente.

 

Deza: cantar é meu trabalho.

 

Odara: eu faço poesia.

 

Deza e Odara: sejam bem vindes!

 

Deza: oi minha gente, aqui é Deza.

 

Odara: olá! Eu sou Odara Rufino. Eu e a Deza somos artistas, amigas defiças e estamos aqui juntas pra falar da nossa deficiência auditiva. Fala aí, Deza! 

 

Deza: pra quem não sabe sou Deza, cantora, compositora, auto gestora, nasci em Arapiraca no interior aqui de Alagoas e eu moro em Maceió, no Nordeste do Brasil. Sou negra de pele clara, tenho cabelo preto cacheado tipo 3b e eu tenho uma perda auditiva unilateral quer dizer de um ouvido só, que é fruto de uma mutação genética chamada otosclerose, que palavrão, hein?! Mas começou quando eu tinha 21 anos e hoje eu uso aparelho auditivo. Então, eu sou oralizada e eu tenho um CD gravado, que é o “Desanuviar” e dois singles lançados que é “Maria Marisqueira” e a “Mulher Reverenciada”; e elas estão nas plataformas digitais. 

 

Odara: e eu sou Odara, poeta, desenhista e mãe. Sou de Boa Vista – Roraima, no extremo Norte do Brasil. Sou mestiça, mistura de negro com branco e indígena, negra de pele clara, cabelo ondulado castanho escuro e olhos pretos levemente puxados. Tenho dois livros de poesia publicados, “Rede dos Sonhos” de poema e um para crianças, chamado “Desfruta”, disponível em e-book na plataforma Hotmart. Sou surda bilateral (nos dois ouvidos), com perda de grau profundo e uso aparelhos auditivos desde os dois anos, que me permitiram ser uma surda oralizada, uma surda que ouve. O que é ser surdo oralizado?  É o indivíduo que lê lábios, fala e domina o português, e utiliza tecnologia que são os aparelhos para ouvir. 

 

Deza: muito legal e nós estamos no podcast Defiça das Oiça.

 

Odara: isso, aqui é um bate papo sobre como é lidar com a deficiência auditiva e da nossa experiência com as dificuldades na profissão e nas relações sociais, porque somos oralizadas, e do projeto somos o único duo que está abordando esse tema.

 

Deza: é, e assim gente, a gente não tem embasamento técnico tá? A gente vai falar mais da nossa experiência de como lidar com a deficiência auditiva. E a gente quer frisar também assim; se você tem algum problema auditivo, a gente indica que você busque ajuda profissional. Mas assim, você pode interagir com a gente lá nas redes sociais, dizer o que você achou desse podcast e comentar sobre sua experiência. O meu arroba é @dezamusica e o da Odara é o que Odara?

 

Odara: é @odararufino . Segue a gente lá, por favor.

 

[trilha autoral de Deza]

 

Odara: a gente agora vai falar como ficamos surdas. Eu fiquei surda porque eu nasci prematura, nasci de 7 meses e, por conta disso, eu fui pra incubadora. E teve uma negligência médica, que a enfermeira me esqueceu na incubadora com uma luz para eu produzir melanina e terminou que passou muito do tempo e eu comecei a produzir uma espécie de bilirrubina, quase morri queimada nessa incubadora. E pra me salvar, meus pais para me salvarem, eles assinaram um contrato que permitia a fazer uma transfusão de sangue. E essa transfusão sanguínea, ela poderia ocasionar três caminhos: vir a óbito, eu poderia morrer; ter uma sequela, uma consequência, alguma coisa; ou tudo ocorrer bem e dar tudo certo. E aí fizeram a transfusão de sangue e tudo, e aparentemente, deu tudo certo. Até que, quando eu completei dois anos, e eu não falava, meus pais acharam muito estranho isso e ainda levaram uma fonoaudióloga. E descobriram lá que eu tinha uma perda de grau profundo, uma perda bilateral de dois ouvidos de grau profundo. E a partir daí começou a busca dos aparelhos e esta nova jornada dos pais com uma filha surda, a aceitação né? Ainda mais numa época que não era tão tecnológica e tal, mesmo assim eles aceitaram e foram atrás, e com 2 anos e meio, eu comecei a usar aparelho auditivo.

  

Deza: é uma história muito interessante, né? Eu vou contar a minha que foi assim. Quando eu tinha lá pra os meus 21 anos, eu comecei a perceber que eu não estava entendendo o que as pessoas falavam, as pessoas falavam uma palavra e eu entendia outra. Começou assim, muito levemente, tal, aí isso começou a se aprofundar. Quando eu tava em ambientes ruidosos, tipo com show, né, teatro, cinema, eu percebi que quando as pessoas falavam, eu também não entendia. E aquilo começou a ser mais recorrente, só que até então, eu não tinha procurado é…. nenhuma ajuda profissional, né? Eu achava assim, tipo normal, que eu não tava entendendo. E aí os anos foram se passando e a cada ano eu tava percebendo que aquilo tava…, que eu tava perdendo a minha audição. Que quando eu comparava há 5 anos atrás, eu via que eu não estava entendendo nada assim; do que a pessoa falava. Começou a ficar mais o som das vogais, as consoantes sumiam, total assim e aí eu comecei a trocar as palavras e comecei a ver que aquilo tava errado e que eu tinha que procurar um profissional para ver o que era tava acontecendo. Aí eu fui numa otorrino e a princípio ela falou que era a cera no ouvido. Foi lá tirou a minha cera (risos), e eu voltei pra casa e o problema persistiu. Aí eu fiquei curiosa, falei: “- Gente, o que é que tá acontecendo?” E aí eu comecei a me isolar mais assim, tipo, festas. Eu comecei a nas festas não querer mais falar muito com as pessoas, porque eu não entendia. E eu não queria, enfim, ficar insistindo em perguntar muito, né, o tempo todo perguntar: “- Oi, o que você tá falando? Não tô entendendo.”. Eu começava a ficar com vergonha, enfim. Começou a dar muito conflito assim, comigo mesma, né? E aí, quando eu fui na otorrino novamente, fiz vários exames. E aí foi constatado que eu tenho otosclerose que é uma doença genética que começou a aparecer em um ouvido só, que é o meu ouvido direito. E a otosclerose, assim. É uma partezinha do meu mecanismo auditivo, que é pra ser flexível e ele endureceu. Na linguagem médica chama “calcificou”. E aí, o som que vem de fora quando entra no meu ouvido; como essa haste que era pra ser flexível, tá dura... ela não coloca mais som pra dentro, então diminuiu e eu tenho 60% hoje de perda auditiva. E eu faço uso, né, de aparelho auditivo pra poder me comunicar com as pessoas, mas ainda não consigo cantar com esse aparelho. Aí é uma outra história que eu vou contar (risos). 

 

Odara: eu queria acrescentar que a minha perda auditiva de grau profundo, do lado esquerdo eu tenho só 15% da audição e do lado direito, eu só tenho 5% da audição. Então, o que eu escuto é o mínimo assim. É Um avião passando... só sons graves. Você falou da porcentagem da sua audição e aí eu lembrei de mencionar da minha. E é muito louco isso, porque para você ver que tem vários níveis e vários graus de surdez. E, mesmo assim, a dificuldade é a mesma, né?

 

Deza: exato. O meu grau eu não falei né, é moderado; tem: severo, moderado, profundo, leve, tem os graus né e eu não sei você Odara, mas eu tinha muita vergonha de dizer né que eu tinha essa perda, porque eu achava que era uma coisa que não tava certo e era muito difícil para mim.

 

Odara: ainda mais quando é uma perda tardia né, quando você já é adulta.

 

Deza: exato, e aí eu tive que aprender a lidar né com isso e aprender a falar para as pessoas, principalmente porque eu canto; então as pessoas que me acompanham(risos) eu pensei” gente - as pessoas precisam saber que eu tenho uma perda, e que quando for conversar comigo, elas precisam saber para nossa comunicação dar certo”.

 

Deza: porque muitas vezes, acontecia que quando a pessoa falava uma palavra, uma vez o meu pai falou assim Deza, é pega ali a balancinha, mas eu não entendi balancinha, eu entendi melancia, (risos). Aí eu peguei melancia, eu peguei a melancia (risos) e entreguei para ele (risos), aí quando ele viu, ele falou:  não, mas eu não falei isso. Eu falei: pai eu achei que você tinha falado melancia; então assim isso é uma coisa engraçada que eu estou contando né, mas acontecia muito isso, quando eu não usava aparelho deu até conflito já. Então é muito importante né, a gente ter essa noção; de que a gente comunicar que a gente tem a perda auditiva vai facilitar na nossa comunicação com as pessoas, né.

 

Odara: é, bem diferente de ti, que teve que lidar com isso, assim [imcompreensível] e depois surda, eu já nasci…. não nasci surda, foi uma negligência que me fez surda logo minutos depois do meu nascimento. Então eu não tenho é memória sonora do mundo assim, como vocês ouvintes né. É então eu já nasci fadada a esse lance de ser surda desde o início né, e só não foi tão difícil pra mim; porque a minha família foi muito bem, é …ela soube lidar muito bem com a situação entendeu. É uma família muito politizada, uma família muito…. é tem um intelecto assim, tem informação, tem condição também pra levar isso adiante sem nem ser um problema né, tanto que foi logo no início; é surda, é isso não tem cura é uma coisa irreversível, é isso que a gente tem que aceitar. Vamos ver o que é melhor, vamos atrás do aparelho auditivo, vamos fazer uma audiometria e vamos ver o que ser e o que deve ter feito né, pra seguir a vida porque a vida não para. Meu pai é músico, meu pai é poeta, e minha mãe é jornalista e artista também, então por eles serem do meio artístico, eles fizeram uma escolha de que eu seria uma surda com aparelho auditivo e oralizada. Para que eu pudesse usufruir da tecnologia e da ciência e também um pouco desse mundo sonoro que há né, pra poder ouvir música, pra poder me comunicar com outras pessoas, pra eu poder não ser uma surda é:  sinalizar né; porque os surdos sinalizados eles não usam o aparelho auditivo, eles são meio contra o aparelho auditivo. E meus pais foram contra isso. Não; vamos colocar aparelho auditivo para dar essa oportunidade a ela de ouvir o mundo.

 

Deza: é muito importante né, a gente ter o aparelho auditivo como um suporte, porque aumenta a nossa qualidade de vida. Eu tenho uma tia que não ouvi muito bem e ela tá entrando no tratamento agora, por causa da idade e o meu pai também por causa da idade, ele já usa nos 2 ouvidos aparelho auditivo. Então assim, a gente é que a gente precisa se apoiar né, nos nossos pais, nossos irmãos, enfim as pessoas que convivem com a gente que é um ambiente familiar, a gente precisa de apoio pra poder melhorar nossa comunicação né? E se a gente não se comunica, a gente não se sente incluído no mundo né Odara? e a audição, ela faz muito parte da comunicação.

 

Odara: não e quem não tem um apoio dentro de casa, no ambiente familiar, é muito mais difícil encarar o mundo nascendo surdo ou sendo deficiente, porque todo apoio que a gente recebe em casa, vai fazer total diferença na maneira que a gente vai ser no mundo.

 

Deza: e aí entra é a nossa sociabilidade, quando a gente sai de casa e vai pro mundo, o ambiente escolar, por exemplo né, é quando a gente começa a circular ali na universidade, começa a ter mais pessoas falando com a gente, professores falando com a gente, a gente começa a viver num mundo que a gente precisa de mais empatia né, a gente precisa de que as pessoas sejam empáticas.  Porque, quando a gente não escuta e a gente pode falar né Odara, que a gente é oralizada. Quando a gente não escuta, a gente fica quer dizer; eu ficava estressada porque eu não entendia o que a pessoa falava e isso era frequente assim. Numa conversa perguntava várias vezes: -“ Hã, não tô entendendo, não tô entendendo.”. E  eu precisava que a pessoa tivesse uma certa empatia ali comigo (risos) e me compreendesse e tivesse uma  alguma mudança também na forma como ela vai se comunicar comigo que tivesse paciência comigo, que ela entendesse que eu não ouvia muito bem, então ela precisava repetir a palavra, não era, não era é uma coisa que eu exigia,  mais que na comunicação precisava ser assim e dentro disso tudo a empatia pra mim a coisa mais importante né, nas relações sociais assim.

 

Odara: totalmente, é focando na história da escola e da universidade, assim que eu saí para ter um contato com o mundo, foi uma pancada muito grande porque o mundo ele é um mundo, é apático né, que tem, eu acho que é quase zero empatia né, muito pouca gente que tem empatia no mundo e é um mundo excludente, é um mundo ignorante e então foi uma pancada muito forte assim. Quando eu me dei conta,  do que era ser surda fora de casa né, porque em casa  sempre fui muito bem amada, muito bem tratada, muito bem criada, mas fora de casa;  eu me dei conta do que era ser surda fora de casa, principalmente na escola porque; na escola eu sofri muito bullying, é eu era excluída, e mais graças aos esforços dos meus pais; a resposta que eu dava pra eu sair da exclusão que eu sofria, era com o meu empenho, meu desempenho na escola porque eu sempre fui uma excelente aluna e eu sempre tirei notas altas e eu me sentia  é mais feliz assim;  eu não me deixava abalar pela,  pelo preconceito que eu sofria, porque eu sabia do meu potencial, eu sabia que a minha surdez ela não me diminuía;  porque eu tirava notas altas, eu era uma boa aluna e  sabe:  isso me deixava mais  tranquila porque foi quando eu entendi que a deficiência auditiva, ela não diminui o grau cognitivo né, ela não diminui a inteligência de ninguém. Mas assim,  mesmo sofrendo bullying na escola e tudo, eu achava que quando eu chegasse na universidade, eu iria encontrar uma realidade melhor, por ser todo mundo mais velho, mais experiente, universidade, faculdade, imagina uma maturidade né, você imagina que tem gente madura lá dentro, mas não,  foi pior; porque eu encontrei muita gente bem mais velhas que eu, e gente bem mais ignorante  do que as crianças do ensino fundamental por exemplo, eu queria até contar uma historinha que é recente da universidade, que aconteceu comigo;  que é a pra escancarar a farsa que é a inclusão na escola e nas universidades. É, eu tava na faculdade, eu estudava artes visuais e eu cheguei numa aula é de laboratório de criatividade, e a professora chegou com uma proposta de botar uma música numa caixinha de som, uma caixinha de som ruim, pra quem é ouvinte e, muito mais para quem é surdo. Mas ela botou lá uma música numa caixinha de som e sugeriu que cada aluno fechasse os olhos e escutasse a música e visualizasse um quadro com aquela música; eu falei para ela: “olha professora é uma atividade muito difícil para mim é não  condiz com a minha realidade, sou surda não tem como fazer essa atividade não dá”; e sabe o que ela me sugeriu? ela pediu pra eu sair da minha zona de conforto,  ela falou “olha sinto muito, não vou mudar, a minha aula e eu acho você melhor sair dessa zona de conforto e tentar fazer a atividade”.

 

Deza: é

 

Odara: é aquilo mexeu muito, me doeu muito, porque eu já nasci fora da zona de conforto né, desde o início sendo surda no mundo já estou fora da minha zona de conforto há muito tempo e ela me falar isso sabe.

 

Deza: é

 

Odara: foi um choque muito grande; porque ela poderia ela mesma sair da zona de conforto dela para me proporcionar uma aula legal entendeu.

 

Deza: e o que é zona de conforto né (riso), o que é isso né porque a gente espera empatia; em todas as questões né, na questão da deficiência auditiva não é diferente. Então quando a gente pede por favor, para que repita a palavra, quando a gente pede por favor, que aquela atividade a gente não consegue fazer por uma questão biológica, não é verdade? a gente tá pedindo por empatia né, então principalmente no ambiente  de uma escola, numa escola, é, todo mundo que participa ali da escola: aluno, professor, coordenador enfim, pessoal da limpeza, o pessoal da cantina, a gente precisa tá num ambiente aonde todo, humanizado né; onde exista uma equidade, é onde a gente se sinta todo mundo participando daquele ambiente. É, e assim, eu acho que a gente tem um mundo, mas, mais bonito, eu diria, mais bonito porque é quando a gente entende o outro a gente começa a ter uma mudança né nas nossas relações, eu acho que tudo que a gente tá precisando hoje em dia, é dessa mudança né, que a gente viva num mundo mais amoroso. Quando a gente entende o lado do outro se coloca no lugar do outro e cria uma realidade aonde todos estejam é participando dali né? e eu não sei você Odara? é mas assim é quando a gente fala por favor, não era nem pra gente falar por favor, mas a gente fala por favor, porque a gente vem já de uma vergonha de dizer; que a gente não escuta muito bem né, então a gente já tá quebrando, a gente já está saindo da nossa zona de conforto e tem que falar (risos) por favor porque a gente tem vergonha quer dizer, eu tinha; hoje eu não tenho muita vergonha mas não; mas eu tive muita vergonha ponto de não falar, de forma nenhuma que eu tinha essa  deficiência auditiva e isso me atrapalhou muito assim. Então, a gente tem que também mudar né, vem de um lugar de vergonha para o lugar de falar quando a gente pode falar, que é  nosso caso a gente é oralizada, não é todo surdo, toda surda que é oralizada, só lembrando disso, assim.

 

Odara: Sim, é sobre a empatia, equidade, eu vejo muito como evento assim de......; bem; rola na internet uma imagem assim: Três pessoas olhando a paisagem, só que uma pessoa é alta, ela consegue ver além do muro. Uma pessoa é média, e não consegue ver além do muro e uma outra pessoa que é bem pequenininha e não consegue mesmo! ver além do muro. Na equidade é a pessoa alta, ela não precisa de um apoio para subir para ver além do muro; já a pessoa média e a pequena; precisa; a média, precisa de um apoio um pouquinho de ver além do muro e a pessoa pequena precisa de dois apoios, pra ver além do muro. O que a equidade propaga? a equidade propaga; você analisar a realidade de cada um, e tentar ajudar, melhorar a vida dessa pessoa né, porque a igualdade; desconsidera as diferenças das pessoas né, tudo igual pra todo mundo, mas não é, nós não somos iguais, todo mundo é igual nas diferenças, todo mundo é diferente, então tem que ter um olhar específico pra cada pessoa. Cada pessoa merece um olhar diferenciado, cada pessoa merece um olhar empático, né, pra que ela possa seguir a vida dela e é isso. Eu vejo assim que como você falou; que a mudança; ela parte de nós mesmos né, mas a gente trabalha em conjunto não dá pra ser só a gente mudar e o resto continuar na mesma, então, a gente tem que mudar todo mundo junto. Claro, a gente tem que falar: “- Olha eu sou surda, e eu acho que seria melhor você me tratar desse jeito assim; seria melhor ou fale mais devagar ou repita por favor, paciência.”. A gente tem que ensinar também, pra gente poder, é conseguir o que a gente quer. Porque muita gente é ignorante não porque quer, porque realmente nunca se colocou numa situação dessa né, tem gente que nunca né, nem conviveu com uma pessoa surda e não sabe nem um pingo como é se relacionar com uma pessoa surda. Então a gente tem que relevar também um pouco né, a gente tem que ensinar, agente como surda, a gente tem a missão de ensinar e promover a mudança.

 

Deza: exatamente, por isso que a gente não pode ter vergonha de falar né Odara, tem que dizer.

 

Odara: exatamente.

 

Deza: e a gente tem essa perda, principalmente porque, pra a gente viver num mundo mais amoroso a fala; falar e ouvir e ser ouvida é uma via vai lá e vem cá né, ouvir e ser ouvida, quem não quer ser ouvido né, e quem não quer ouvir, eu queria só contar de uma experiência que eu tive, que dessa questão né da equidade que foi agora né. O meu aparelho auditivo, ele quebrou a mangueirinha né, com o uso da máscara eu fui tirando a máscara ele acabou quebrando a mangueirinha, e aí eu recebi uma ligação da Otomed, que é o lugar lá em Arapiraca; quero até mandar um abraço pessoal do Otomed que está escutando aí, que é onde eu pude receber gratuitamente o meu aparelho auditivo, que é pelo SUS e aí.

 

Odara: que legal.

 

Deza: nossa muito legal, né? A gente não tem grana para comprar aparelho, o SUS dá. E aí ela até falou comigo assim; disse: “olha Deza a gente viu o vídeo que você fez e tudo”, eu falei: é o meu o meu aparelho auditivo, a minha mangueirinha quebrou, aí ela disse olha a gente sabe da dificuldade e tudo, e a gente vai lhe ajudar a ter um aparelho que você possa cantar, porque eu não conseguia cantar, eu não consigo cantar e nem ouvir música com o aparelho auditivo. Eu não consigo, porque ele fica dando microfonia, então para mim é uma luta muito, muito, muito grande assim, eu não consigo descrever para vocês como é ir pra o palco e não consegui me ouvir muito bem pra cantar. E eu preciso de me ouvir, então eu acabo ficando a diferente ali (risos) no meio musical né, todo mundo usando o ouvido normalmente pra tocar o seu instrumento, para cantar a sua música e eu não me sinto muito assim incluída, dentro do meu próprio ambiente de trabalho né e muito menos um ambiente que exista equidade ali; porque é uma luta muito grande assim até hoje.  Eu fui fazer agora um show no  sábado passado e eu não consegui me ouvir, eu fiz uso da memória auditiva quer dizer, o que tem na minha memória eu reproduzir cantando para poder entrar na afinação né, o ritmo até dava para ouvir, mas a minha afinação foi uma coisa assim muito difícil, então, como é importante para mim como cantora; ouvir, me ouvir para poder cantar né como é importante  pra gente; ser ouvida numa conversa, num diálogo normal né com as pessoas que a gente convive e tudo já é um degrau alto né, a gente tem que dizer que a gente não ouviu a palavra, agora você imagine a pessoa indo cantar sem se ouvir (risos) como é que faz?

 

Odara: um desafio.

 

Deza: é um desafio muito, muito, muito grande, eu chego a suar assim de verdade, chego a ficar suada de tanto esforço que eu faço, viro o pescoço assim para ver se eu escuto, mas aí eu recebi essa ligação da Otomed e isso vai ser resolvido, em breve, eu terei um novo aparelho onde a gente vai fazer os testes e se Deus quiser, eu vou conseguir cantar e ouvir.

 

Odara: aí que legal.

 

Deza: é e conseguir ouvir melhor.

 

Odara: pra mim ao contrário com os aparelhos, eu escuto muito bem música, eu amo música, não consigo viver sem música, inclusive como meu pai é músico, eu consegui desenvolver uma audição com o aparelho e até meio exigente assim, até na hora da regulagem do aparelho, quando eu vou numa fono, assim; não, aqui o som tá mais sujo, o som tem que ficar melhor, mas limpo. Graças a experiência com a música que eu tenho diária; para você ver que música é fundamental né.

 

Deza: aí que legal.

 

Odara: fiquei assim; quando eu te conheci, eu fiquei muito impressionada; nossa surda e cantora. Que demais.

 

Deza: (risos)

 

Odara: maravilhoso isso.

 

Deza: é muito assim a questão da memória auditiva né e também as pessoas com quem eu trabalho, elas precisam saber e me ajudar, fazer sinais para mim, se eu sair do tom né, tem que me ajudar tem que tem que ter um ouvido 100% comigo ali né. É muito importante a gente ter alguém do nosso lado, que nos ajude também né ouvir em determinados momentos assim. Eu já passei pela experiência, por exemplo de cantar num concurso de música lá em Nova Iorque, e eu tá no hotel no quarto do hotel sozinha dormindo, com o ouvido que ouve melhor do lado do travesseiro e o ouvido que não ouve bem, é fora do travesseiro e de manhã quando eu acordei eu ouvi o burburinho ali das meninas falando, “gente vocês ouviram?, vocês ouviram?” aí eu, não, não ouvi, o que foi, aí as meninas, tocou o alarme de incêndio, aí eu caí meu queixo no chão; quer dizer que se tivesse alguém ali enfim o prédio pegasse fogo provavelmente eu não estarei aqui nesse podcast de hoje conversando (risos) com vocês, é a importância da gente ter alguém do nosso lado né Odara que escute.

 

Odara: sempre eu tô em situação de risco para por causa da perda auditiva, inclusive agora eu fui escancarada numa nova realidade porque recentemente, eu virei mãe e com a maternidade eu me dei conta que eu sou totalmente dependente do ouvido de alguém né, porque à noite, por exemplo, eu tiro os aparelhos para dormir, eu não durmo com os aparelhos, e uma coisa que eu amo né dormir num silêncio profundo.

Mas com a maternidade, eu tive que mudar isso porque tem um serzinho pequeno que chora de noite, quer mamar, quer colo, quer atenção, e eu me dei conta dessa coisa de ter um ouvido de alguém para poder pedir né, é uma maternidade dependente, nós somos dependentes do ouvido de alguém. Isso é um pouco frustrante, mas para quem tem uma rede de apoio, para quem tem com quem contar, isso é muito bom também.

 

Deza: uma vez eu estava, eu estava atravessando a rua e eu apenas não ouvi a buzina (risos), eu não sei como, nem porquê eu não ouvi a buzina. Em São Paulo o maior ruído ali no centro tudo muito alto e uma mistura de sons né muito grande, de tudo e eu não ouvi, então tipo assim; se eu não tivesse alguém ali do meu lado para me avisar que vinha um carro, mais uma vez talvez eu não estivesse aqui conversando nesse podcast (risos).

 

Odara: é bem difícil isso, tipo assim, surdo sempre tá em situação de risco, é tem que ter alguém do lado, você sempre dá um toque, sempre avisar né, porque mesmo com aparelho, às vezes a gente não escuta, eu mesma já corri risco várias vezes aí de ser atropelada, e ainda bem que nunca aconteceu, ainda bem que tô aqui (risos).

 

Deza: estamos.

 

Odara: (continuou) para falar nesse podcast.

 

Deza: de novo a questão da empatia e das pessoas que tão do nosso lado entender a gente né, que a gente tem de alguma forma; por mais que a gente use aparelho, é a gente precisa dessa; desse apoio assim né na família, na escola, em todo lugar que a gente anda, na rua, enfim se a gente tem companheiro, se não tem.

Com quem a gente mora e assim, eu comecei a perceber que as pessoas que não são empáticas, elas acabam sendo um pouco mais difíceis pra gente lidar né assim, porque quando a gente encontra uma pessoa empática, beleza tudo certo, segue o baile né, agora quando a pessoa não tem empatia (risos), aí começa o desafio. Porque ou você é, tem a paciência né se for um ambiente por exemplo: uma instituição que você vai lá a secretária ou o secretário, a pessoa que atende você, ou sei lá, o caixa de supermercado; um ambiente assim que a gente vá aonde todo mundo circula né.

 

Odara: público né?

 

Deza: desculpa eu não entendi, o que você falou Odara?

 

Odara: no ambiente público, né?

 

Deza: sim, no ambiente público, exatamente, a gente acaba lidando com todo tipo de gente né, então não é sempre que a gente vai encontrar empatia, então assim; teve uma vez que eu fui num supermercado, e o caixa do supermercado, ela, ela falou assim: você quer o CPF? tem muito isso né, aí eu falei: oi não entendi, aí ela falou: tá surda, não tá ouvindo que eu tô falando? eu falei, eita e agora? aí eu disse tô surda e não estou ouvindo você; por favor pode repetir (risos) e não é legal gente; falar assim, tá surda? porque isso acaba de certa forma travando né na nossa comunicação. Algumas pessoas podem se sentir ofendidas, né, eu procuro não me ofender mais; porque eu acho que de ofensa o mundo já tá é cheio né, então eu não vou encher mais meu mundo de ofensa, mas assim, pode acontecer né que a pessoa não se sinta muito bem ali.

 

Odara: essa situação da fila em supermercado, em algum lugar público é bem recorrente, assim ainda mais agora na pandemia que todo mundo usa máscara né porque eu por exemplo, eu dependo de leitura labial e agora na pandemia, ficou uma situação bem difícil, tá todo mundo mascarado e pra eu poder me explicar numa fila de supermercado,  falar, olha sou surda, fala mais devagar pra eu tentar  te ouvir, ou só imaginar ah! acho ela falou isso assim; acho que ela pediu CPF, eu vou só falar o meu CPF assim chutar, imaginar que foi isso que ela perguntou, mas é uma situação bem chata né, a gente tem que todo dia, é se explicar. Explicar, para todo mundo que a gente é surda, que a gente tem que, a gente tem que mudar o comportamento né, até da gente, e das outras pessoas. É muito triste ver que a maioria não é empática, a maioria não quer mudar né, a maioria não quer atender melhor as pessoas que tem deficiência; principalmente pessoas desses ambientes públicos, é uma coisa que eu fico até me perguntando: como que um supermercado; é, contrata uma pessoa que não é capacitada pra trabalhar no caixa de fila preferencial, porque normalmente são pessoas que estão ali, é não, assim; que parece até que estão a contragosto ali, sabe.

 

Deza: sim.

 

Odara: não fazem questão nenhuma de atender bem as pessoas que têm deficiência, acho que o primeiro critério que deveria ter; é se a pessoa é capacitada para atender pessoas com deficiência né, numa fila preferencial.

 

Deza: eu tava participando de uma de uma escola de mulheres que há treino e nessa escola uma das professoras chegou uma hora assim; quero até mandar um beijo pra ela, professora Ariane que foi com quem eu aprendi né, sobre capacitismo. No meio da aula assim até me permita professora; falar aqui, é em público né, que eu acho que para mim foi um grande aprendizado e que para você também. Que foi assim uma hora no meio da aula ela falou aqui não tem ninguém surdo e eu guardei para mim, eu não falei na hora deixei a aula fluir, e dias e dias depois a gente conversando assim, aí ela falou por algum motivo a gente voltou nesse assunto, aí eu disse: ah sim, a gente tava falando sobre gordofobia; e aí  ela disse a gente tem que falar, a gente tem que falar, a gente tem que conversar, a gente tem que dialogar né pra gente promover a mudança, o diálogo é fundamental.

Aí eu falei foi quando eu falei: a professora então eu vou falar aqui com você que já existiu aqui essa  palavra né; você é surdo? aí ela me pediu perdão pelo erro e tudo, e foi muito bonito assim a nossa conversa e aonde essa conversa foi parar, Ela falou: ah não sabia que  você tem perda auditiva e eu acho que isso é uma coisa que você tem que falar e aí foi quando eu conheci a expressão capacitismo, eu falei: o que é isso capacitismo? aí ela começou a explicar e foi muito importante assim essa conversa com a professora né, a gente tava falando aqui mais cedo de  faculdade, né de escola e como é importante a gente ter esse outro lado também né que aconteceu alguma coisa; uma pergunta como essa aqui não tem ninguém surdo, ah você é surda? E no lugar de existir ofensa, existiu o contrário, a gente conseguir conversar; conseguir se entender e promover a mudança, eu acho que é por aí que a gente precisa caminhar né.

 

Odara: é eu acho que está muito enraizado né expressões capacitista, é a gente termina praticando mesmo que sem querer, e é um exercício diário assim, a por exemplo: ah, tá dando uma de João sem braço, sabe, expressões assim bem preconceituosas da gente. E todo dia a gente tem esse exercício, de se despir dessas expressões ignorantes que estão enraizadas na gente. E uma coisa que eu acho importante, é que venda essa coisa do capacitismo que a história do exemplo de superação, eu acho isso assim; horrível assim, porque se for parar pra analisar; todo mundo tá superando alguma coisa todos dias e o fato da gente ser deficiente, não nos torna herói ou inferior a isso entendeu. A gente não tem culpa assim, viemos ao mundo ou que adquirimos uma deficiência, então é um desafio com certeza encarar a vida com deficiência, mas não é um exemplo de superação é falar isso: “Nossa, você superou”, isso não há um elogio, entendeu e isso faz muito parte do capacitismo e é muito bom a gente propagar um comportamento anti-capacitista, porque vai mudar muito o comportamento das pessoas.

 

Deza: e essa mudança é uma responsabilidade nossa de promover também né, não é todo mundo que vai querer, e tá tudo bem assim, a gente não pode (riso) é,  promover a mudança pelo outro, mas começando por nós né, só da gente tá aqui Odara, acho que conversando nesse bate-papo conversando sobre as nossas experiências; já é essa promoção de mudança, então eu acho que a gente tá fazendo a nossa parte assim né com toda, toda a nossa simpatia (risos), mas que leva né pelo menos a uma reflexão assim né, porque acho que a gente não pode ter vergonha né de  falar das nossas experiências. Porque é justamente falando que a gente vai promover essa mudança né, é eu lembro que eu tinha muita vergonha de dizer isso e quando eu tinha vergonha de dizer que eu tinha perda auditiva, isso atrapalhava muito a minha vida e a partir do momento que eu comecei a usar aparelho auditivo e eu; eu só comecei a usar aparelho auditivo porque eu falei que eu tinha a perda e aí alguém foi lá e me ajudou. A minha irmã me levou lá na clínica na otomed, eu consegui ouvir melhor com aparelho, a minha qualidade de vida aumentou muito e eu comecei a superar os preconceitos que eu passava quando eu, quando eu tinha a perda e se eu passar por um preconceito agora, eu vou saber lidar porque eu já trabalhei isso e é muito importante a gente saber lidar quando a gente sofre preconceito de novo voltando porque a gente vai promover mudança ali né e pode até ajudar outras pessoas a promover também mudança na vida delas né.

 

Odara: é sobre a questão da vergonha; eu acho assim, que a gente só tem vergonha porque a sociedade não é educada; se a sociedade fosse educada, a gente não teria vergonha de ser o que a gente é, entendeu. E mais do que a mudança na gente mesmo; é provocar mudança na sociedade porque as dificuldades que a gente passa; não somos nós que provocamos essas dificuldades, nós só encontramos né; que a gente tem que todo dia superar isso. Eu tive muita vergonha, é recente assim que eu saí do armário da surdez, muito por conta da Paula Pfeifer, com  “os surdos que ouvem”, que é o projeto dela e a partir daí vendo pessoas que são surdas oralizadas,  saindo do armário, se assumindo surdas, foi que eu tive coragem assim de escancarar pra o mundo; falar, não! eu sou surda, se não quer ficar do meu lado; sinto muito, se quer ficar do meu lado, ótimo. Vamos evoluir, vamos aprender, vamos tocar essa bolha, aprender a conviver com as diferenças e, mais assim; a principal culpa; da vergonha da pessoa com deficiência, é a sociedade.

 

Deza: a sociedade somos todos nós né, todos nós formamos a sociedade a gente tem uma estrutura administrativa, judiciária, é executiva né; que são os 3 poderes, que organizam o que a gente chama de sociedade, temos as ONGs, que faz super, ultra parte dessa organização da sociedade, inclusive a gente tá aqui por causa de uma ONG e de uma universidade; que são a sociedade também né claro e dentro desse contexto de sociedade existe assim o poder judiciário que garante os nossos direitos, né? As leis do homem aqui no planeta Terra são às vezes, assim como todo ser humano nós somos contraditórios e tá tudo bem sem contraditório; mas do ponto de vista do direito a gente precisa ter os nossos direitos atendidos né pessoas com deficiência nós temos nossos direitos. Mas dentro da lei que fala sobre exatamente a deficiência auditiva né porque existem outras várias outras deficiências a gente, eu, eu Deza sou excluída da lei e eu vou explicar aqui porque: é esse ano né, quando começou a dose da vacina, a primeira dose, a gente teve aquilo lá de comorbidades lembra Odara? que teve isso, como que foi as prioridades né da vacina e aí ali eu fui procurar se eu como deficiente auditiva tinha direito a ter é prioridade na fila da vacina por causa das comorbidades.

 

Odara: sim, essa fila prioritária tinha que apresentar a audiometria né; provar que você; por exemplo no meu caso é a deficiência, eu tive que apresentar a minha audiometria, tive que mostrar os aparelhos, para poder comprovar o meu direito de tomar a vacina.

 

Deza: isso então você teve direito, e eu não por quê? porque o ministério da saúde, ele entende que pessoas com deficiência auditiva ela é bilateral igual a você, ela não ouve nem do ouvido direito e nem do ouvido esquerdo. Eu, só ouço de um; não ouço é tenho perda de 60% de um ouvido, que chama unilateral. Então eu sou excluída por causa disso, e aí o que acontece, todos os direitos de deficiência auditiva, eu não tenho; quer dizer: a lei entende que eu não sou deficiente.

 

Odara: mesmo você sendo.

 

Deza: mesmo eu sendo, e eu como alguém que tem a perda auditiva, passo pelos mesmos preconceitos, pelas mesmas problemáticas, pelos mesmos desafios; por pelas mesmas vergonhas, pelas mesmas questões de conversar com a família. Na escola, em todo lugar que eu vou, na rua, a gente eu e você a gente já conversou sobre isso; estamos conversando aqui de novo, mas a gente se diferencia né, a nossa deficiência auditiva, ela não nos diferencia.

 

Odara: é

 

Deza: por mais que você tenha a profunda e eu a moderada, a gente tem essa, tem essa questão da exclusão da lei.

 

Odara: a gente não deveria criar uma hierarquia né? porque é mesmo tendo grau diferente, a dificuldade é a mesma como você abordou agora; as dificuldades são as mesmas, então não deveria ter uma hierarquia.

 

Deza: e aí, a gente acaba que debatendo tudo isso e assim a minha reflexão é assim; poxa dentro da sociedade, dentro das minhas relações, eu gostaria de ser, é, de ouvir e ser ouvida de que existisse empatia ali na minha conversa e gostaria que eu tivesse direitos quer dizer; eu fui além né, comecei na vergonha de dizer que eu tenho perda auditiva, perdi a vergonha; tô aqui falando sobre isso e eu gostaria de que fosse a lei; além da lei (risos) pra gente ter uma equidade né, de tudo nessa; tudo isso que a gente acabou de falar aqui.

 

Odara: e falando sobre leis; uma coisa que eu fico um pouco triste, é que a lei na constituição é linda na teoria, é linda; mas na prática a gente não vê movimento né, muito menos pra pessoa com deficiência né. Muita gente que tem deficiência não tem conhecimento dos direitos que ela tem; que ela deve cobrar, e é muito importante toda pessoa com deficiência ter um; ir atrás de um dossiê de leis, ir atrás do estatuto da pessoa com deficiência, ir atrás da legislação, da pessoa com deficiência. Pra poder se tocar; se dar conta dos direitos que ela tem que cobrar; porque não são poucos, são muitos direitos; e a gente tem que cobrar para poder fazer acontecer.

 

Deza: então vamos atrás dos nossos direitos.

 

Odara: e lutar

 

Deza: e lutar e continuar lutando; porque a vida aqui ela pode até ser breve, mas é eterna né, vai, vai, vai que vai tudo que a gente consegue hoje, a gente está lutando para as próximas pessoas que vem no futuro. 

 

[trilha autoral da Deza]

 

Odara: vamos fazer umas recomendações aqui, de livros e filmes que abordam sobre surdez e quais são os filmes que tem dica, Deza?

 

Deza: olha... eu, ultimamente, eu assisti alguns filmes que me tocaram muito, nessa questão. Um foi o “Som do Silêncio”, “Sound of Metal” que é um filme de 2020 e conta a história...

 

Odara: maravilhoso.

 

Deza: sim, maravilhoso! E conta a história de um músico que no meio do trabalho assim, ele perde a audição, ele vai lidar com aquilo e é muito bonito a forma como é abordada. Essa questão da pessoa que perdeu a audição, e como ele lida com isso, assim é muito interessante; não vou dar spoiler, não se preocupem. Mas é um filme que vale muito a pena assistir. É, um outro que eu indico é a “Família Bélier”, que é um filme de 2014, que conta a história de uma menina que é cantora, e que toda a família dela é surda; então o filme ele se passa todo dentro dessa história, né. Enfim, é muito bonito. Esse filme me fez chorar, Odara, eu juro a você que não aguentei. É lindo, lindo, lindo.

 

Odara: que legal.

 

Deza: assista. E o “Segredo de Beethoven”, que é outro filme Beethoven, né. Que escreveu a nona sinfonia. Ele já era surdo e que é uma das sinfonias mais conhecidas dele, mais populares. E é um filme também muito interessante né, eu assisti esses porque tem a ver com música, eu sou cantora... então eu fui atrás dessa temática. Mas existem vários outros filmes incríveis, mas eu vou ficar com esses três aqui para vocês, tá bom?

 

Odara: é, e você é uma espécie de Bethoveen.

 

Deza: tô aí nesse lugar da cantora que não se escuta, quando vai cantar, né? A memória é auditiva. Agora eu quero saber de você, quais são as suas dicas de livros para nós?

 

Odara: é, eu tenho dois livros, que são importantes assim pra mim, que é dois da Paula Pfeifer: “Crônicas da Surdez” e o outro, “Novas Crônicas da Surdez” que ela fala muito bem sobre a realidade do surdo. E esse outro “Novas Crônicas da Surdez, é pra quem é implantado, né, quem utiliza do implante coclear. E o outro livro é da Brenda Costa “Belle du Silêncio”, que é uma modelo mundial que nasceu surda, mas ela entrou no mundo da moda sendo surda, não usa aparelho auditivo e até hoje é um renome. Então essas são as minhas indicações.

 

Deza: muito bom, a gente quer agradecer a você pela audiência, segue lá a gente nas redes sociais. Aqui quem tá falando é a Deza a minha arroba no Instagram é @dezamusica . Deza com Z e arroba da Odara é @odararufino. Esse foi o podcast Defiça das Oiça. Agora Odara vai encerrar com o poema que ela mesma escreveu, especialmente para esse podcast. É com você Odara!

 

Odara: Defiça das Oiça

 

Eu quero contar para o mundo

que eu nasci do silêncio profundo

mas hoje fico no modo silencioso

só quando eu quero.

Hoje eu não tolero

quem se mantém preconceituoso

quem não se humaniza.

Ninguém vai me calar

minha voz é de surda

mas é voz ativa.

Tire seu preconceito do caminho

que eu quero passar com minha surdez

e caminhando adiante, vislumbro

um lugar onde o capacitismo não tem vez,

nem a ignorância, também.

Como já disse Leminski

“isso de ser exatamente o que se é

ainda vai nos levar mais além.”

Ser surda não causa problema a ninguém

nem causaria a mim mesma

se todo mundo procurasse se inteirar do assunto

e soubesse que acessibilidade é trabalho conjunto.

A falta de humanidade é a verdadeira deficiência.

Mesmo que tentem me colocar no mudo

não há nada que mude minha vivência.

Hoje eu me escancaro e grito com toda a força;

em alto e bom som que eu sou defiça das oiça.

 

[trilha autoral de Deza]

 

 

[vinheta]

 

Olga Aureliano: Este canal é realizado pela ONG Ateliê Ambrosina de Maceió-Alagoas, e financiado pela Universidade Western do Canadá, comigo Olga Aureliano na mediação e na produção local, ao lado de Vanessa Malta e Bruna Teixeira, minhas parceiras de equipe. As antropólogas Nádia Meinerz e Pamela Block são pesquisadoras do projeto, e o roteiro, gravação e edição é de Deza e Odara Rufino, cocriadoras deste episódio; a finalização e vinheta é de Rodrigo Policarpo, e a transcrição é minha, com revisão de Bruna Teixeira e tradução para o inglês de Deise Medina.

Card cinza claro, quadrado, do podcast Retratos do Brasil com Deficiência. No centro de um triângulo em diferentes tons de lilás, a cabeça branca da medusa, de perfil esquerdo. O triângulo tem pontas arredondadas e está na horizontal, voltado para a direita. A medusa é uma figura feminina, da mitologia grega, com serpentes no lugar do cabelo. O rosto dela é branco e as serpentes são vazadas, com contorno branco, fino e parecem se mover em todas as direções. Na parte inferior, o nome do podcast. A frase Com deficiência está em negrito e Podcast, em negrito, maiúsculo.
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